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Ficção! Ou não...


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w29.8.03


Capítulo 3
Descobertas


Deitado em posição fetal, Thomas sentia que o mundo ao seu redor estava rodopiando.
Não, ele não tinha um pai. Nunca teve. E nem uma mãe. Foi criado num templo e teve apenas mestres, pessoas interessadas em treiná-lo e não em lhe dar carinho. Ouviu dizer certo dia que seus pais eram um demônio e um anjo. Em outro momento, ouviu sussurros o chamando de “Cria dos feiticeiros”.

Uma vez, aos 10 anos, quando Thomas indagou a um dos seus professores a razão dele viver sozinho, recebeu outra pergunta ao invés de uma resposta: “Você quer companhia?”.
“Sim, mais do que qualquer outra coisa!”, respondeu entusiasmado.
O mestre balançou a cabeça afirmativamente. “Estávamos pensando nisso há algum tempo”. “Venha comigo”, completou.

Ali, deitado no corredor em frente a casa, chorando copiosamente, essas lembranças apareciam na mente de Thomas como um filme visto pela primeira vez, mas cujo conteúdo o espectador já conhece por ter lido o livro que o originou. A sensação era muito estranha.

Ele continuou imerso naquele misto de sonho e realidade (mesmo sem ter noção do que era real desde que havia saído em sua jornada). Viu então o largo corredor que levava para a área proibida para ele do templo em que foi criado. O mestre abriu então a porta e Thomas pôde ver uma espécie de cama (pensando hoje parecia muito mais um caixão).

- Deite-se, Thomas, disse o mestre. Feche seus olhos e tudo ficará bem.

Até ali ele confiava cegamente em tudo que o mestre lhe dizia. Não havia outra alternativa, afinal aquela era a única existência que ele conhecia. Thomas então entrou naquela cápsula e viu o mundo exterior pela última vez em muito tempo. A escuridão tomou conta de tudo e ele dormiu. E sonhou, sonhou muito, como nunca havia sonhado antes. Um mundo se construiu em sua mente. Todo universo foi feito ali. Surgiram a cidade portuária, seus pais e irmãos... os amigos, a escola. Era uma vida completamente nova. Thomas se sentia bem ali, tudo era confortável.

E quando tudo parecia bom, as coisas começaram a dar errado na cidade. Ele não sabia o que era, mas podia sentir uma maldade permeando tudo e todos. Foi quando começou uma tempestade que não terminava nunca, só piorava. E com um relâmpago rasgando o céu, tudo acabou. O mundo acabou.

Thomas se levantou e viu que estava num templo, aquele mesmo no qual ele havia crescido. O fato era que lê não mais se lembrava de tudo aquilo. Para ele aquilo era apenas um lugar velho e totalmente destruído. Ele se levantou, perguntando por seus pais, mas não ouviu resposta. Ele se sentiu mais perdido do que nunca. Não sabia onde estava e nem como tinha ido parar ali. A última imagem que tinha na mente era da noite e da tempestade. E do raio que cortou o céu, o brilho intenso e então acordar naquela cama, com roupas que nem eram suas pelo que podia perceber agora.

Ele ouviu então um barulho vindo de um canto à sua esquerda. Levantou-se e viu uma porta aberta e por trás dela uma luz. Foi então para lá. Abriu a porta e ficou horrorizado com o que viu.



posted by Thiago Costa at 10:58 PM


w4.6.03


Capítulo 2
Lembranças


Em tão ínfimo e intenso momento, como numa fusão de imagens, pôde se lembrar de sua infância na pacata cidade portuária. Tudo lhe parecia tão real. Lembrou-se do tempo em que ia pescar com seu pai nas águas límpidas do rio que cortava a cidade. Lembrou-se de que nunca trazia o molinete certo para o peixe que pretendiam pescar. Seu pai, por isso, cansava de ralhar com ele. Mas era esse seu pai? Não conseguia distinguir direito aquela figura sisuda que postava à sua frente. Seu pai sempre fora uma pessoa serena, de tez corada que caracteriza os velhos bonachões. Thomas lembrou-se também do dia em que o cassino chegara ao vilarejo e toda a perdição que o primeiro causou aos moradores. A bebida barata, a fétida jogatina, as mulheres de vida fácil, os estelionatários, os picaretas, o crime organizado. Um milionário benfeitor que só pensava no bem estar do povo. Estava errado. Seria mais sensato começar construindo um daqueles grandes supermercados que vemos na capital. Apregoava que o sucesso de uma sociedade só poderia vir com o jogo legalizado. Mas seria esse um cassino? Não conseguia identificá-lo como tal. Para Thomas, agora, a construção mais parecia uma velha loja de penhores com grandes e iluminados lustres orientais. Lembrou-se também do cachorro de pêlo lustroso que tivera em sua infância. Tinha um rabo que movia-se freneticamente de um lado ao outro, conferindo-lhe uma invejosa e rara alegria. Este não parecia ser o seu animal. Embora notasse certa familiaridade com Paçoca, o cachorro não era tão dócil quanto antigamente. Thomas, em suas memórias, procurou fugir do cão. Procurou fugir de seus dentes afiados. A boca se aproximando, um iminente rasgo em sua canela surgindo.

Então recobrou-se para uma experiência ainda pior. Thomas estava agora numa imensa sala de espelhos. Mas, ao contrário daquelas grandes tendas de parques de diversão, sua imagem não era refletida por nenhum dos objetos. Não tinha aparência larga, curta, encolhida, magra, gorda, ou coisa do gênero. Deduziu, na conversa que vinha tendo com o misterioso garoto, que sua imagem só poderia ter um reflexo se descobrisse quem, de fato, Thomas era. Mas onde poderia conseguir alguma pista? Sempre detestou aqueles jogos de adivinhação de priscas eras com seus amigos de pião e bafo. Detestava o fato de um de seus cretinos coleguinhas se colocasse naquela posição de sabichão para humilhá-lo com seus indefectíveis enigmas. De tanta raiva que estava sentindo, Thomas deu um berro. Suas cordas vocais não emitiram nenhum som. Por outro lado, provocaram vibrações tão fortes que todos os espelhos da sala se quebraram. Presumiu que acabara de capitalizar exatos 77 anos de azar.

No chão coberto por diminutos cacos de vidro, Thomas olhou para seus pés. Estavam descalços. Antes que pudesse urrar de dor, fechou os olhos. Encontrava-se imerso nas águas do rio que costumava pescar com o pai. Teve um susto ao olhar novamente para seus membros inferiores e constatar que eles eram pequenas barbatanas. Embora pudesse ter a habilidade de nadar, não estava conseguindo. Começou a se afogar. O fôlego sumindo, a visão turva surgindo, o último pedido suplicado. Antes de desmaiar, foi socorrido pelo anzol de uma vara de pescar. Sentiu o gosto de sangue em seus lábios. Logo foi expulso das águas, indo parar numa cestinha de vime qualquer. Infelizmente não teve tempo de conformar-se com a situação. No instante seguinte, Thomas percebeu que podia caminhar novamente. Saiu da cesta de pescaria e deu de cara com um gigantesco parque.

Com uma enorme área verde, Thomas não soube para onde dar o primeiro passo. Percebeu ao seu redor todo o esplendor que aquela flora monumental proporcionava à sua visão. Viu os passarinhos assobiando uma singela canção, as marmotas à procura de alimento, as violetas exalando um perfume agradável às suas narinas, as folhas que começavam a cair no chão no primeiro dia de primavera. Então, sentindo um alívio irrompendo a alma, Thomas deu o primeiro passo. A paisagem tornou-se sombria. As árvores agora provocavam-lhe arrepios. A vegetação rasteira estava muito seca, talvez abusada por longas e criminosas queimadas. Os animais da floresta possuíam um brilho sinistro no olhar e o encaravam como soturnos algozes. Sentindo o medo nascer no arrepio que lhe cortava a espinha, Thomas correu desesperadamente tentando fugir do cenário de trevas que o envolvia.

Sem nenhuma direção, Thomas rumou para uma clareira no cume de um morro. Lá, bem em frente ao seu nariz, estava a estranha casa. Antes que pudesse recuperar o fôlego, a porta abriu-se diante dele. No interior, apenas um imenso corredor. No final do mesmo, o estranho garotinho o afrontava. Thomas hesitou por alguns instantes. Quando esboçou o desejo de entrar na casa, ouviu uma sonora e doentia gargalhada. O moleque parecia estar zombando dele.

- E, então, o que descobriu?
- Descobri que estou cheio de raiva e doido prá acabar com você e essa inútil jornada - respondeu Thomas.

- É uma pena - admitiu o garoto. Eu pensei que você fosse diferente dos demais.
- Diferente ou não, não tenho tempo para brincadeiras. Estou me sentindo mal com tudo isso. Tudo o que eu quero é voltar prá casa!

- Mas você já está em casa, Thomas. Esse é o seu lar.
- Impossível. Nunca estive aqui antes. Meu pai sempre me preveniu para ficar afastado dessas redondezas.

- Como você pode ter certeza disso? Você realmente teve um pai? - perguntou o moleque.
- Claro que tive. Não tente me confundir ainda mais!

- Então, onde ele está?
- Pare! Não me faça pensar sobre isso... – suplicou Thomas, tentando conter, em vão, uma pequena lágrima que lhe escapava do olho esquerdo.

Por Marcio Fonseca


posted by Thiago Costa at 11:23 PM


w27.8.02


Capítulo 1
A Casa


Ao entrar na estranha casa, ele encontrou um garoto ainda mais estranho. “Olá, Thomas”, disse o jovenzinho. “Eu estava te esperando”, completou.

- Quem é você, e como sabe meu nome, respondeu Thomas.
- Você é aquele que procura por respostas. Eu vou ajudá-lo em sua busca.

- Então, comece me dizendo “Por que”.
- Não há “por que”. Tudo na vida tem um ponto em que se inicia e em que termina. De um jeito ou de outro. É assim que as coisas são.

- Não posso acreditar que é só isso, gritou Thomas, visivelmente nervoso. - Tem que haver mais!!
- Sim, existe, disse sorrindo o menino. - Há o amor e a linha tênue que o separa do ódio.
Ao dizer isso, o garoto começou a andar em círculos na sala suja em que os dois se encontravam.

- Sabe, Thomas, continuou ele. A vida é um círculo. A única coisa que você realmente precisa saber é que não há becos sem saída.

- Não? Então o que acontece quando escolhemos um caminho errado?

- Hahaha... riu o pequenino. Você não aprendeu nada mesmo, né? Ouça com atenção: não existem caminhos errados. Tudo que você faz em sua vida é o que deveria ter sido feito. É a sua percepção que pode alterar a realidade.

- Realidade... Isso é algo que eu também não entendo... Ei, qual é mesmo o seu nome?
- E isso importa?
- Talvez. Eu não sei para onde estou indo depois daqui. E nomes têm poder. Quem sabe se eu não vou precisar de um pouco dessa força?

- Você não vai. Confie em mim.
- Pensa que sabe tudo, não?

- Tudo não. Só o básico. Você também deveria estar sabendo isso agora.

- Humpf! Como você mesmo disse, eu sou aquele que procura por respostas. Eu não sei das coisas. Mas não se desvie. Nós estávamos falando sobre a realidade.

- A realidade é.
- O quê? Como...

- Abra seus olhos. Sinta o que está ao seu redor. Não há muito para se dizer, há?
- É.. não.
- Como eu disse, a realidade é.

De repente, tudo em volta deles se iluminou. Thomas pôde ver claramente o local em que se encontrava. A sala daquela casa velha não parecia mais tão suja. Era como se uma cortina estivesse sobre seus olhos e ela, subitamente, foi aberta.

- Eu... entendo, disse Thomas. Mas é como se eu visse apenas uma parte do todo.

- Muito bem, estou orgulhoso, respondeu amigavelmente o rapazinho. O primeiro passo está dado. A partir de agora há duas coisas a se fazer: subir ou descer. E você fará um pouco dos dois.
-É.. eu realmente tenho muito a descobrir. Pois já não entendo o que você está dizendo.

- O que quero explicar é que muitas coisas são sem ser na verdade. E que bem e mal são duas faces da mesma moeda. Subir e descer, claro ou escuro, dia e noite... tudo e nada ao mesmo tempo, entende?

- Sinceramente? Não.

-Hehehehe... melhor assim. Ninguém sabe tudo. Isso, você já percebeu.
-Sim, foi a minha primeira lição: saber que não sabia. O problema é não saber nada nunca. Isso é o que mais me incomoda.
- Você acha que não sabe de nada?
- Acho que sei muito pouco.
- Tu sabes muito, meu caro. Ter consciência do desconhecido já demonstra uma sabedoria imensa. É preciso que te valorizes! Se você não gostar de você mesmo, ninguém mais vai gostar.

Thomas mostrou-se um tanto incomodado com as palavras daquela criança estranha (o menino não aparentava mais do que dez anos). Incomodava-lhe, principalmente, o tom mais sério e até meio enérgico que ele havia tomado em suas últimas palavras. Assim, resolveu responder da mesma forma, em gravemente:

- Eu gosto de mim!
- Gosta, mas duvida de si mesmo. Eu sei de tudo o que você passou. Mas sua reação poderia ter sido mais positiva.

- Olhe aqui, seu fedelho! Não vamos mais conversar enquanto você não me disser quem é você. E como sabe tanto sobre mim, disse Thomas claramente abalado por aquilo que considerou uma total e completa invasão de privacidade.
Seu passado era algo que só dizia respeito a ele mesmo. E ele havia se esforçado demais para soterrá-lo dentro de si. Aquele moleque, seja ele quem for e saiba ele o que souber, não tinha o direito de mexer com aquilo.

- Cale-se e lembre-se! gritou o menino, indo em direção a Thomas, subindo em uma cadeira que havia por lá e tocando com o dedo indicador direito em sua testa.

Um turbilhão de imagens invadiu a mente de Thomas.

posted by Thiago Costa at 11:01 PM